Mudança na política de drogas
Para a cabeça de um proibicionista, pode não parecer. Mas quem acredita na mudança nas leis de drogas e quem é contra têm objetivos semelhantes: reduzir os riscos relacionados ao seu uso. A grande diferença é que a guerra às drogas falhou de forma clara nesse objetivo principal. Entenda mais sobre a questão no texto de Ilona Szabó em sua coluna na Folha de S.Paulo.
As políticas de drogas atuais causam mais danos do que o consumo de drogas em si. Ainda tenho frescas na memória as reações quando eu falava sobre esse tema em mesas de jantar. Eu era persona non grata. Em menos de uma década, posso assegurar que muita coisa mudou. Em alguns segmentos da sociedade a informação sobre políticas de drogas inteligentes já venceu o medo. Eu vi a mudança de opinião começar a acontecer na minha frente.
Independente se somos liberais ou conservadores nesse tema, temos os mesmos objetivos. Queremos proteger nossas crianças e adolescentes, evitar ou retardar o acesso a drogas lícitas e ilícitas e reduzir o sofrimento de pessoas que fazem o uso problemático de drogas e o de suas famílias. Queremos também diminuir os custos da guerra às drogas para a sociedade e minar o poder e o lucro do crime organizado para reduzir o seu poder bélico, a corrupção e melhorar a segurança em nossas cidades.
A política vigente desde a convenção única de entorpecentes da ONU de 1961 não nos entregou os objetivos acima. Ao contrário, criou a maioria dos problemas que temos hoje. Sua meta é inatingível –livrar o mundo das drogas. Não houve, a nível global, correção de rumo até agora. Porém dezenas de cidades, Estados e países já mostraram que há caminhos mais humanos e eficientes para lidar com a questão das drogas e nos oferecem lições. A principal é que a maioria das soluções está no âmbito da saúde, educação e das políticas de desenvolvimento social e econômico, e não da Justiça criminal.
Dessa forma há passos claros e práticos a seguir. O primeiro é tirar o consumo da esfera criminal. É contraproducente tratarmos usuários de drogas como criminosos. Pense em um alcoólatra: faz sentido levá-lo para a delegacia por sua embriaguez? A criminalização dificulta que pessoas com uso problemático possam pedir e receber ajuda, desvia recursos que deveriam ser investidos em pesquisas, tratamentos e abordagens de prevenção e redução de danos, e ainda por cima custa muito caro. Pesquisa da Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro demonstra o desperdício de recursos policiais focados em demasia na apreensão de usuários e de pequenas quantidades de drogas. Enquanto isso, a maioria dos crimes violentos não são investigados ou punidos.
“O tabu já foi quebrado, mas alguns políticos desatualizados ainda não perceberam e insistem em propor retrocessos. Vamos lembrá-los de que a mudança já começou.”
Vale ressaltar que em cerca de 30 países, a descriminalização do uso é fato e em nenhum deles houve explosão do consumo. Portugal é um dos casos mais conhecidos, mas há outros como Colômbia, Holanda, e Uruguai. No Brasil a lei 11.343 de 2006 aboliu a pena de prisão para usuários, mas o porte para consumo pessoal ainda é crime. Isso causa distorções graves, incluindo prisões indevidas de usuários pobres e em especial negros. Está nas mãos do STF começar a corrigir o rumo. O Recurso Extraordinário 635.659 já obteve 3 votos na direção de descriminalizar o consumo e precisa voltar à pauta com urgência.
Outros passos certeiros incluem regular o uso medicinal da Cannabis, investir em programas para jovens em risco e egressos do sistema socioeducativo e prisional, e em pesquisas científicas com drogas ilegais. O debate sobre a regulação do mercado da maconha também precisa avançar. O que não podemos é andar para trás. O tabu já foi quebrado, mas alguns políticos desatualizados ainda não perceberam e insistem em propor retrocessos. Vamos lembrá-los de que a mudança já começou.